Ivan Lins entra no tempo dos 80 anos
Com obra entre o amor e a política, o produtivo artista festeja a data com dois álbuns, show, biografia, documentário e a música inédita ‘Menino de Gaza’. Nascido em 16 de junho de 1945, o carioca Ivan Lins chega aos 80 anos em plena atividade Divulgação ♫ ANÁLISE ♬ Expoente temporão da geração de ícones da MPB projetados nos anos 1960, Ivan Lins entra hoje no tempo dos 80 anos, se juntando a time ilustre de octogenários que já inclui Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Marcos Valle, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, entre outros gigantes revelados ao longo daquela década de efervescência cultural. Nascido em 16 de junho de 1945, o carioca Ivan Guimarães Lins celebra os 80 anos em plena atividade. Prepara desde 2024 um álbum com músicas inéditas (o primeiro no gênero desde Amorágio, disco de 2012), estreia em 26 de julho na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) a turnê do show Ivan Lins 80 com roteiro que inclui a música inédita Menino de Gaza (parceria com Simone Guimarães), grava álbum em que revisa os sambas da obra autoral com arranjos de Carlinhos Sete Cordas, Paulão Sete Cordas e Rafael dos Anjos – com participações de bambas como Diogo Nogueira, Mart’nália e Zeca Pagodinho – e reflete sobre a caminhada em ainda inédito documentário sobre a trajetória do artista, que também ganhará biografia. É muito, mas é pouco diante da monumental contribuição do cantor e compositor à música do mundo. São 80 anos de vida e 60 de música, pois foi em 1965 que Ivan Lins pôs os pés na profissão, tocando nas noites da Tijuca (bairro mais abastado da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro) com o primeiro trio do pianista, o Alfa Trio. No Alfa Trio, o músico começou a exercitar as lições aprendidas com a audição do mestre Luiz Eça (1936 – 1992), pianista do Tamba Trio, grupo referencial no universo do samba-jazz nascido nos anos 1960 a partir da bossa nova. Sim, como todos os colegas de geração, Ivan Lins também bebeu da bossa eternamente nova. Ivan Lins é um dos herdeiros mais legítimos do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). E, como Tom, também sofreu a influência benéfica do jazz. Até porque, no período da infância em que viveu nos Estados Unidos, (ab)sorveu inconscientemente a sofisticação dos maiores melodias da canção norte-americana. Amalgamadas com personalidade pelo compositor, essas referências geraram a grandiosa obra de Ivan Lins. Obra sofisticada (mas sem perder o apelo popular) e de harmonias requintadas que delicia ouvidos apurados dos jazzistas, sobretudo os dos Estados Unidos, país onde Ivan Lins é rei no universo do jazz. Embora tenha entrado em cena em 1965, Ivan Lins somente conquistou o sucesso em 1970, ano em que defendeu a composição O amor é o meu país (feita com Ronaldo Monteiro de Souza, parceiro dos tempos iniciais) no V Festival Internacional da Canção e ano em que a sempre antenada Elis Regina (1945 – 1982) deu voz a Madalena (outra parceria com Ronaldo), samba cheio de soul que abriu alas para a música de Ivan Lins em escala nacional. Nessa irregular fase inicial, marcada pela fama de ufanista equivocadamente atribuída ao compositor por leitura errada da canção O amor é o meu país, o cantor lançou os álbuns Ivan Lins, agora... (1970), Deixa o trem seguir (1971) e Quem sou eu? (1972), tentando em vão seguir os tons dos intérpretes de soul. Essa linha somente foi interrompida em 1974, ano de abertura de alas definitivas na trajetória do artista. Foi quando Ivan descobriu quem ele era. Em 1974, ao abrir e firmar parceria com o letrista paulista Vitor Martins, o carioca Ivan Lins adensou e politizou o cancioneiro autoral. Com os versos de Martins, a música de Ivan Lins se agigantou nas trincheiras em que a MPB lutava contra a repressão da ditadura vigente na década de 1970. Suprassumo da obra do cantor, compositor e pianista, a parceria com Vitor Martins apareceu nos álbuns Modo livre (1974) e Chama acesa (1975), lançados pela gravadora RCA. Contudo, foi somente a partir da transferência de Ivan Lins para a gravadora EMI-Odeon, que a obra do compositor de fato floresceu. Os quatro álbuns gravados por Ivan Lins nessa companhia fonográfica – Somos todos iguais nessa noite (1977), Nos dias de hoje (1978), A noite (1979) e Novo tempo (1980) – estão entre os mais coesos do artista e figuram entre o que de melhor se produziu na música brasileira nos anos 1970. Foi a época de canções doídas como Aos nossos filhos (1978), mas também esperançosas de um Brasil livre, caso de Cartomante (1977). Muitas músicas desses discos também reverberaram nas vozes de cantoras como Elis Regina (fiel intérprete de Ivan), Fafá de Belém (intérprete definitiva de Bilhete, canção de 1980 que Fafá regravou em 1982), Nana Caymmi (1941 – 2025) e Simone. Maria Bethânia, curiosamente, foi a única grande cantora da MPB que nunca gravou Ivan Lins, a ponto de ter recusado o canto do hino feminista Começar de novo (1979), oferecido primeiramente a Bethânia antes de a música ser consagrada


Com obra entre o amor e a política, o produtivo artista festeja a data com dois álbuns, show, biografia, documentário e a música inédita ‘Menino de Gaza’. Nascido em 16 de junho de 1945, o carioca Ivan Lins chega aos 80 anos em plena atividade Divulgação ♫ ANÁLISE ♬ Expoente temporão da geração de ícones da MPB projetados nos anos 1960, Ivan Lins entra hoje no tempo dos 80 anos, se juntando a time ilustre de octogenários que já inclui Caetano Veloso, Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Marcos Valle, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, entre outros gigantes revelados ao longo daquela década de efervescência cultural. Nascido em 16 de junho de 1945, o carioca Ivan Guimarães Lins celebra os 80 anos em plena atividade. Prepara desde 2024 um álbum com músicas inéditas (o primeiro no gênero desde Amorágio, disco de 2012), estreia em 26 de julho na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) a turnê do show Ivan Lins 80 com roteiro que inclui a música inédita Menino de Gaza (parceria com Simone Guimarães), grava álbum em que revisa os sambas da obra autoral com arranjos de Carlinhos Sete Cordas, Paulão Sete Cordas e Rafael dos Anjos – com participações de bambas como Diogo Nogueira, Mart’nália e Zeca Pagodinho – e reflete sobre a caminhada em ainda inédito documentário sobre a trajetória do artista, que também ganhará biografia. É muito, mas é pouco diante da monumental contribuição do cantor e compositor à música do mundo. São 80 anos de vida e 60 de música, pois foi em 1965 que Ivan Lins pôs os pés na profissão, tocando nas noites da Tijuca (bairro mais abastado da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro) com o primeiro trio do pianista, o Alfa Trio. No Alfa Trio, o músico começou a exercitar as lições aprendidas com a audição do mestre Luiz Eça (1936 – 1992), pianista do Tamba Trio, grupo referencial no universo do samba-jazz nascido nos anos 1960 a partir da bossa nova. Sim, como todos os colegas de geração, Ivan Lins também bebeu da bossa eternamente nova. Ivan Lins é um dos herdeiros mais legítimos do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). E, como Tom, também sofreu a influência benéfica do jazz. Até porque, no período da infância em que viveu nos Estados Unidos, (ab)sorveu inconscientemente a sofisticação dos maiores melodias da canção norte-americana. Amalgamadas com personalidade pelo compositor, essas referências geraram a grandiosa obra de Ivan Lins. Obra sofisticada (mas sem perder o apelo popular) e de harmonias requintadas que delicia ouvidos apurados dos jazzistas, sobretudo os dos Estados Unidos, país onde Ivan Lins é rei no universo do jazz. Embora tenha entrado em cena em 1965, Ivan Lins somente conquistou o sucesso em 1970, ano em que defendeu a composição O amor é o meu país (feita com Ronaldo Monteiro de Souza, parceiro dos tempos iniciais) no V Festival Internacional da Canção e ano em que a sempre antenada Elis Regina (1945 – 1982) deu voz a Madalena (outra parceria com Ronaldo), samba cheio de soul que abriu alas para a música de Ivan Lins em escala nacional. Nessa irregular fase inicial, marcada pela fama de ufanista equivocadamente atribuída ao compositor por leitura errada da canção O amor é o meu país, o cantor lançou os álbuns Ivan Lins, agora... (1970), Deixa o trem seguir (1971) e Quem sou eu? (1972), tentando em vão seguir os tons dos intérpretes de soul. Essa linha somente foi interrompida em 1974, ano de abertura de alas definitivas na trajetória do artista. Foi quando Ivan descobriu quem ele era. Em 1974, ao abrir e firmar parceria com o letrista paulista Vitor Martins, o carioca Ivan Lins adensou e politizou o cancioneiro autoral. Com os versos de Martins, a música de Ivan Lins se agigantou nas trincheiras em que a MPB lutava contra a repressão da ditadura vigente na década de 1970. Suprassumo da obra do cantor, compositor e pianista, a parceria com Vitor Martins apareceu nos álbuns Modo livre (1974) e Chama acesa (1975), lançados pela gravadora RCA. Contudo, foi somente a partir da transferência de Ivan Lins para a gravadora EMI-Odeon, que a obra do compositor de fato floresceu. Os quatro álbuns gravados por Ivan Lins nessa companhia fonográfica – Somos todos iguais nessa noite (1977), Nos dias de hoje (1978), A noite (1979) e Novo tempo (1980) – estão entre os mais coesos do artista e figuram entre o que de melhor se produziu na música brasileira nos anos 1970. Foi a época de canções doídas como Aos nossos filhos (1978), mas também esperançosas de um Brasil livre, caso de Cartomante (1977). Muitas músicas desses discos também reverberaram nas vozes de cantoras como Elis Regina (fiel intérprete de Ivan), Fafá de Belém (intérprete definitiva de Bilhete, canção de 1980 que Fafá regravou em 1982), Nana Caymmi (1941 – 2025) e Simone. Maria Bethânia, curiosamente, foi a única grande cantora da MPB que nunca gravou Ivan Lins, a ponto de ter recusado o canto do hino feminista Começar de novo (1979), oferecido primeiramente a Bethânia antes de a música ser consagrada na voz de Simone. Nos anos 1980, Ivan Lins deixou de lançar álbuns anuais com a regularidade da década anterior – em geral, lançou discos de inéditas com intervalos de dois ou três anos - enquanto viu a obra já solidificada no Brasil atravessar as fronteiras do país para conquistar o universo do jazz nos Estados Unidos. Enquanto o Brasil fazia coro em canções como Vitoriosa (1985) e Vieste (1987), a obra do artista ganhou a voz dos maiores cantores de jazz em celebração internacional que, Tom Jobim à parte, somente encontra paralelo na MPB na devoção dos jazzistas ao cancioneiro de Djavan. Mas Ivan nunca saiu do Brasil. Na década de 1990, o artista fundou – em sociedade com Vitor Martins e com o produtor musical Paulo Albuquerque (1942 – 2006) – uma gravadora, a Velas, que desafiou as leis ditadas pelas multinacionais do disco numa época em que ainda não era moda e tampouco era prudente ser independente no mercado fonográfico brasileiro. A partir dos anos 2000, Ivan Lins povoou a discografia com álbuns com regravações da própria obra, geralmente feitas com orquestras ou big- bands da Europa e dos Estados Unidos. Nessa seara, merece menção a exuberante moldura sinfônica com a qual orquestra de Tbilisi (Geórgia, EUA) enquadrou a obra do artista no álbum My heart speaks (2023). Em tempos mais recentes, com a progressiva quebra da corrente que ligava a MPB ao povo brasileiro, os sucessos populares do cantor foram escasseando, mas a obra de Ivan Lins permanece requintada, por vezes jobiniana, por vezes politizada (como reitera a inédita Menino de Gaza), sempre sedutora para ouvidos apurados pela boa música brasileira. Nesse universo, o cancioneiro de Ivan Lins já está enraizado na memória nacional. Entre a política e romantismo, tônica de grandes canções de amor como Lembra de mim (1955), o cantor e compositor chega produtivo aos 80 anos, senhor do próprio destino musical.