'Restaure um planeta-esponja', clamou Kongjian Yu, arquiteto chinês em entrevista exclusiva ao g1

O arquiteto paisagista e urbanista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim. Kongjian Yu / Turenscape / Agência Fapesp Em uma entrevista inédita e exclusiva ao g1 , Kongjian Yu, chinês considerado um dos maiores arquitetos do mundo, alertou sobre os riscos da mudança climática e pediu um novo caminho para enfrentar o problema. Kongjian Yu foi uma das quatro vítimas da queda de um avião de pequeno porte em Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, na noite de terça-feira (23). A conversa do arquiteto com o g1 ocorreu por e-mail no fim de julho, e faz parte das reportagens especiais que o portal prepara para o período da COP30, que ocorre em novembro. Hora de ação imediata Em respostas curtas e diretas, ele afirmou que ainda há tempo de reverter as mudanças climáticas, mas apenas se houver ação imediata. Apesar disso, em uma escala de 0 a 10, ele afirmou que seu otimismo com o sucesso desta reversão poderia ser classificado no nível 4. Além disso, na opinião dele, o problema mais grave que humanidade vai enfrentar até 2050 vai ser a escassez de água. E deixou um apelo: "Cada vez mais pessoas estão se conscientizando e a crise já está sendo sentida. Mude a ação climática de centrada no carbono para impulsionada pela água, restaure um planeta esponja", afirmou Kongjian Yu. Cidade-esponja Parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis fazem parte de um modelo urbanístico conhecido como “cidade-esponja”. A proposta busca reter a água da chuva no próprio espaço urbano, reduzindo enchentes e assegurando reservas para períodos de estiagem. A noção de cidade-esponja ganhou força após uma tragédia em Pequim, na China, em 2012, quando chuvas intensas provocaram a morte de quase 80 pessoas. Enquanto boa parte da capital chinesa estava submersa, a Cidade Proibida — construída séculos antes com um sofisticado sistema de drenagem — permaneceu seca. O episódio reforçou a crítica de Yu: cidades modernas dependem demais de infraestrutura de concreto, canos e bombas, mas negligenciam soluções naturais que permitem à água infiltrar no solo. A partir daí, a China passou a investir fortemente em projetos de cidade-esponja, desenhados para absorver o excesso de chuva e liberar gradualmente a água, reduzindo enchentes e garantindo reservas para épocas de seca. Projeto em Zhejiang é parte da implementação da ideia de 'cidade-esponja'. Turenscape Como funcionam as cidades-esponja O modelo se baseia em um conjunto de medidas que transformam a infraestrutura urbana. Entre as principais estão: Parques alagáveis: áreas verdes projetadas para ficar parcialmente inundadas durante as cheias. No período seco, funcionam como espaços de lazer e convivência. Muitas vezes, têm passarelas elevadas e vegetação nativa capaz de reter água e favorecer a biodiversidade. Telhados verdes: jardins instalados no topo de prédios. Eles reduzem o volume de água que vai para os bueiros, ajudam a refrescar as cidades e ainda filtram o ar. O desafio é estrutural: muitos edifícios precisam ser reforçados para receber o peso adicional. Calçamentos permeáveis: pisos porosos que permitem infiltração da água da chuva no solo. Em Copenhague e em cidades chinesas, foram criados espaços públicos com esse tipo de tecnologia, que absorve e libera a água lentamente. Praças-piscina: áreas esportivas ou de lazer que se transformam em reservatórios temporários em dias de tempestade. Em Roterdã, na Holanda, a praça Benthemplein foi projetada para receber milhões de litros de água, que são liberados gradualmente de volta ao subsolo. Cidades-esponja: veja recursos para minimizar o impacto das chuvas em metrópoles pelo mundo Arte/G1 Exemplos pelo mundo A China lidera a aplicação da ideia. Em cidades como Taizhou e Jinhua, muros de concreto que canalizavam rios foram demolidos e substituídos por parques capazes de conter enchentes. O parque Yanweizhou, em Jinhua, tornou-se referência internacional ao conciliar drenagem natural, lazer e preservação ambiental. Outros países também adotaram soluções semelhantes: Roterdã (Holanda) construiu a praça Benthemplein, com três bacias para armazenar água da chuva. Copenhague (Dinamarca) instalou pisos porosos em áreas públicas, como a praça Langelands, que funciona como esponja. Nova York (EUA) desenvolveu parques à beira do East River para conter a água em períodos de cheia. Bangcoc (Tailândia) criou o parque Chulalongkorn, com capacidade de armazenar temporariamente grandes volumes de água em épocas de chuva intensa. [cidades-esponja] Parque Yongning, na cidade de Taizhou, na China, parque alagável que substituiu barreiras de concreto nas margens do rio Turenscape/Divulgação Debate no Brasil No país, episódios de enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, reacenderam a discussão. O modelo brasileiro ainda aposta principalmente em piscinões — grandes reservatórios de concreto que acumulam água de forma passiva, mas geram problemas urbanos, como lixo e mau cheiro. Algumas iniciativas pontuais já foram

Set 24, 2025 - 11:00
 0  0
'Restaure um planeta-esponja', clamou Kongjian Yu, arquiteto chinês em entrevista exclusiva ao g1

O arquiteto paisagista e urbanista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim. Kongjian Yu / Turenscape / Agência Fapesp Em uma entrevista inédita e exclusiva ao g1 , Kongjian Yu, chinês considerado um dos maiores arquitetos do mundo, alertou sobre os riscos da mudança climática e pediu um novo caminho para enfrentar o problema. Kongjian Yu foi uma das quatro vítimas da queda de um avião de pequeno porte em Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, na noite de terça-feira (23). A conversa do arquiteto com o g1 ocorreu por e-mail no fim de julho, e faz parte das reportagens especiais que o portal prepara para o período da COP30, que ocorre em novembro. Hora de ação imediata Em respostas curtas e diretas, ele afirmou que ainda há tempo de reverter as mudanças climáticas, mas apenas se houver ação imediata. Apesar disso, em uma escala de 0 a 10, ele afirmou que seu otimismo com o sucesso desta reversão poderia ser classificado no nível 4. Além disso, na opinião dele, o problema mais grave que humanidade vai enfrentar até 2050 vai ser a escassez de água. E deixou um apelo: "Cada vez mais pessoas estão se conscientizando e a crise já está sendo sentida. Mude a ação climática de centrada no carbono para impulsionada pela água, restaure um planeta esponja", afirmou Kongjian Yu. Cidade-esponja Parques alagáveis, telhados verdes e calçamentos permeáveis fazem parte de um modelo urbanístico conhecido como “cidade-esponja”. A proposta busca reter a água da chuva no próprio espaço urbano, reduzindo enchentes e assegurando reservas para períodos de estiagem. A noção de cidade-esponja ganhou força após uma tragédia em Pequim, na China, em 2012, quando chuvas intensas provocaram a morte de quase 80 pessoas. Enquanto boa parte da capital chinesa estava submersa, a Cidade Proibida — construída séculos antes com um sofisticado sistema de drenagem — permaneceu seca. O episódio reforçou a crítica de Yu: cidades modernas dependem demais de infraestrutura de concreto, canos e bombas, mas negligenciam soluções naturais que permitem à água infiltrar no solo. A partir daí, a China passou a investir fortemente em projetos de cidade-esponja, desenhados para absorver o excesso de chuva e liberar gradualmente a água, reduzindo enchentes e garantindo reservas para épocas de seca. Projeto em Zhejiang é parte da implementação da ideia de 'cidade-esponja'. Turenscape Como funcionam as cidades-esponja O modelo se baseia em um conjunto de medidas que transformam a infraestrutura urbana. Entre as principais estão: Parques alagáveis: áreas verdes projetadas para ficar parcialmente inundadas durante as cheias. No período seco, funcionam como espaços de lazer e convivência. Muitas vezes, têm passarelas elevadas e vegetação nativa capaz de reter água e favorecer a biodiversidade. Telhados verdes: jardins instalados no topo de prédios. Eles reduzem o volume de água que vai para os bueiros, ajudam a refrescar as cidades e ainda filtram o ar. O desafio é estrutural: muitos edifícios precisam ser reforçados para receber o peso adicional. Calçamentos permeáveis: pisos porosos que permitem infiltração da água da chuva no solo. Em Copenhague e em cidades chinesas, foram criados espaços públicos com esse tipo de tecnologia, que absorve e libera a água lentamente. Praças-piscina: áreas esportivas ou de lazer que se transformam em reservatórios temporários em dias de tempestade. Em Roterdã, na Holanda, a praça Benthemplein foi projetada para receber milhões de litros de água, que são liberados gradualmente de volta ao subsolo. Cidades-esponja: veja recursos para minimizar o impacto das chuvas em metrópoles pelo mundo Arte/G1 Exemplos pelo mundo A China lidera a aplicação da ideia. Em cidades como Taizhou e Jinhua, muros de concreto que canalizavam rios foram demolidos e substituídos por parques capazes de conter enchentes. O parque Yanweizhou, em Jinhua, tornou-se referência internacional ao conciliar drenagem natural, lazer e preservação ambiental. Outros países também adotaram soluções semelhantes: Roterdã (Holanda) construiu a praça Benthemplein, com três bacias para armazenar água da chuva. Copenhague (Dinamarca) instalou pisos porosos em áreas públicas, como a praça Langelands, que funciona como esponja. Nova York (EUA) desenvolveu parques à beira do East River para conter a água em períodos de cheia. Bangcoc (Tailândia) criou o parque Chulalongkorn, com capacidade de armazenar temporariamente grandes volumes de água em épocas de chuva intensa. [cidades-esponja] Parque Yongning, na cidade de Taizhou, na China, parque alagável que substituiu barreiras de concreto nas margens do rio Turenscape/Divulgação Debate no Brasil No país, episódios de enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, reacenderam a discussão. O modelo brasileiro ainda aposta principalmente em piscinões — grandes reservatórios de concreto que acumulam água de forma passiva, mas geram problemas urbanos, como lixo e mau cheiro. Algumas iniciativas pontuais já foram testadas, mas políticas públicas para cidades-esponja ainda engatinham no Brasil. [cidades-esponja] Canais de infiltração natural, chamados de "bioswales", na cidade de Lingshui, na China Turenscape/Divulgação Legado Kongjian Yu foi fundador do escritório Turenscape e projetou centenas de parques e espaços públicos em diferentes países. Sua morte interrompe a trajetória de um dos arquitetos mais influentes do urbanismo contemporâneo, mas seu conceito de cidade-esponja segue como referência global para metrópoles que buscam conviver melhor com a água. Avião de pequeno porte cai no Pantanal de MS