Como abelhas viraram arma inesperada para proteger elefantes

Pesquisadores encontraram no Quênia uma solução simples, mas inteligente, para impedir que os elefantes entrem em plantações: cercas feitas com colmeias Os elefantes se aproximam de áreas povoadas por seres humanos em busca de água e alimentos Getty Images via BBC Os agricultores estão recorrendo às abelhas como ajudantes inesperadas para manter os elefantes longe de suas plantações. No mundo todo, a extensão de terras agrícolas se sobrepõe cada vez mais aos habitats dos elefantes, o que leva a uma interação perigosa, uma vez que os elefantes andam pelas plantações. Mas, no Quênia, depois de décadas de pesquisa, os especialistas encontraram uma solução simples e criativa para afastar os elefantes: cercas feitas com colmeias. Inspirados pelo conhecimento local sobre a aversão dos elefantes às colmeias, essas barreiras cheias de zumbidos oferecem uma solução simples, mas eficaz, de reduzir os confrontos, às vezes violentos, entre agricultores e os elefantes. E atualmente se estende pelo mundo, desde Moçambique até a Tailândia. Mas o que as abelhas têm que os elefantes odeiam tanto? A convivência com os elefantes O conflito entre humanos e elefantes é um problema crescente em várias partes do mundo. No Quênia, onde a população e a demanda por recursos estão aumentando, as áreas habitadas se sobrepõem cada vez mais às zonas de circulação dos elefantes. A isso, soma-se a recuperação das populações de elefantes, o que aumenta a probabilidade de conflitos entre os seres humanos e esses animais. "A expansão de terras agrícolas está obrigando os elefantes a entrar em áreas onde as pessoas vivem em busca de comida e água", diz Greta Francesca Iori, consultora de conservação de elefantes na Etiópia. "Em qualquer lugar onde existem elefantes, há registros de conflitos entre humanos e esses animais", afirma Iori, especialista em conflitos entre populações e elefantes para vários governos e organizações sem fins lucrativos. Graeme Shannon, ecologista da vida silvestre da Universidade de Bangor, no País de Gales, Reino Unido, estuda elefantes africanos há décadas e explica que as pessoas que são obrigadas a viver nessas áreas geralmente são de origens pobres. "De forma que a agricultura é essencial para elas e suas famílias", diz Shannon. Contudo, a água e plantações altamente nutritivas podem ser muito atraentes para os elefantes, fazendo com que eles se aproximem de áreas povoadas por seres humanos. A população local dedica muito tempo aos cuidados com a terra, mas os elefantes chegam "quando as plantações estão quase maduras", conta Emmanuel Mwamba, um agricultor de Mwakoma, no Quênia, uma vila na linha de frente do conflito entre os povos locais e os elefantes. "Se os elefantes chegam, tudo desaparece", diz Mwamba. "Alguns de nós dependem das plantações para sobreviver. Imagine se tudo é destruído em uma noite", acrescenta. Esses conflitos podem ser fatais para os dois lados. Os agricultores podem morrer tentando impedir que os elefantes, que pesam sete toneladas e estão com fome, entrem em suas terras. Da mesma forma, os elefantes podem acabar morrendo ao serem atacados por agricultores que tentam proteger as plantações. Para evitar esses conflitos e deter os elefantes, cientistas e a população local passaram décadas testando uma variedade de soluções. Desde cercas elétricas, torres de vigilância, refletores solares, tijolos cobertos com pimenta e repelentes fétidos de elefantes e até mesmo barulhos para assustar os animais. Tudo isso com vantagens e desvantagens. Mas o uso de abelhas para espantar os elefantes surgiu como uma ferramenta particularmente promissora e eficiente, que combina um afastamento eficaz com uma série de outros benefícios para os agricultores. As abelhas como solução Tudo começou no início dos anos 2000, quando o ecologista e presidente da organização Save the Elephants (em português, 'Salve os Elefantes'), Fritz Vollrath, e o fundador da organização, Iain Douglas-Hamilton, escutaram uma história folclórica de pastores quenianos, contando como árvores em certas regiões não eram danificadas por elefantes porque tinham colmeias nelas. Inspirados por essa história, Vollrath e Douglas-Hamilton começaram a trabalhar com Lucy King, diretora de coexistência da organização, para investigar cientificamente se as abelhas realmente poderiam assustar esses animais gigantes. Em 2007, a pesquisa concluiu que os elefantes não apenas se mantêm afastados de árvores que têm colmeias de abelhas africanas selvagens, como "emitem sons para avisando uns aos outros para se afastarem", contou King. "Sabemos que as abelhas podem picar e sabemos que eles nunca esquecem disso", acrescenta. King desenhou uma ferramenta para que os agricultores pudessem usar para proteger suas plantações dos elefantes com fome: uma cerca feita com colmeias. A ideia foi testada pela primeira vez em 2008, em uma comunidade de Laikipia, no Quênia, que sofria com invasões regulares de elefantes. As cercas em torno das fazendas são feit

Abr 24, 2025 - 12:30
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Como abelhas viraram arma inesperada para proteger elefantes

Pesquisadores encontraram no Quênia uma solução simples, mas inteligente, para impedir que os elefantes entrem em plantações: cercas feitas com colmeias Os elefantes se aproximam de áreas povoadas por seres humanos em busca de água e alimentos Getty Images via BBC Os agricultores estão recorrendo às abelhas como ajudantes inesperadas para manter os elefantes longe de suas plantações. No mundo todo, a extensão de terras agrícolas se sobrepõe cada vez mais aos habitats dos elefantes, o que leva a uma interação perigosa, uma vez que os elefantes andam pelas plantações. Mas, no Quênia, depois de décadas de pesquisa, os especialistas encontraram uma solução simples e criativa para afastar os elefantes: cercas feitas com colmeias. Inspirados pelo conhecimento local sobre a aversão dos elefantes às colmeias, essas barreiras cheias de zumbidos oferecem uma solução simples, mas eficaz, de reduzir os confrontos, às vezes violentos, entre agricultores e os elefantes. E atualmente se estende pelo mundo, desde Moçambique até a Tailândia. Mas o que as abelhas têm que os elefantes odeiam tanto? A convivência com os elefantes O conflito entre humanos e elefantes é um problema crescente em várias partes do mundo. No Quênia, onde a população e a demanda por recursos estão aumentando, as áreas habitadas se sobrepõem cada vez mais às zonas de circulação dos elefantes. A isso, soma-se a recuperação das populações de elefantes, o que aumenta a probabilidade de conflitos entre os seres humanos e esses animais. "A expansão de terras agrícolas está obrigando os elefantes a entrar em áreas onde as pessoas vivem em busca de comida e água", diz Greta Francesca Iori, consultora de conservação de elefantes na Etiópia. "Em qualquer lugar onde existem elefantes, há registros de conflitos entre humanos e esses animais", afirma Iori, especialista em conflitos entre populações e elefantes para vários governos e organizações sem fins lucrativos. Graeme Shannon, ecologista da vida silvestre da Universidade de Bangor, no País de Gales, Reino Unido, estuda elefantes africanos há décadas e explica que as pessoas que são obrigadas a viver nessas áreas geralmente são de origens pobres. "De forma que a agricultura é essencial para elas e suas famílias", diz Shannon. Contudo, a água e plantações altamente nutritivas podem ser muito atraentes para os elefantes, fazendo com que eles se aproximem de áreas povoadas por seres humanos. A população local dedica muito tempo aos cuidados com a terra, mas os elefantes chegam "quando as plantações estão quase maduras", conta Emmanuel Mwamba, um agricultor de Mwakoma, no Quênia, uma vila na linha de frente do conflito entre os povos locais e os elefantes. "Se os elefantes chegam, tudo desaparece", diz Mwamba. "Alguns de nós dependem das plantações para sobreviver. Imagine se tudo é destruído em uma noite", acrescenta. Esses conflitos podem ser fatais para os dois lados. Os agricultores podem morrer tentando impedir que os elefantes, que pesam sete toneladas e estão com fome, entrem em suas terras. Da mesma forma, os elefantes podem acabar morrendo ao serem atacados por agricultores que tentam proteger as plantações. Para evitar esses conflitos e deter os elefantes, cientistas e a população local passaram décadas testando uma variedade de soluções. Desde cercas elétricas, torres de vigilância, refletores solares, tijolos cobertos com pimenta e repelentes fétidos de elefantes e até mesmo barulhos para assustar os animais. Tudo isso com vantagens e desvantagens. Mas o uso de abelhas para espantar os elefantes surgiu como uma ferramenta particularmente promissora e eficiente, que combina um afastamento eficaz com uma série de outros benefícios para os agricultores. As abelhas como solução Tudo começou no início dos anos 2000, quando o ecologista e presidente da organização Save the Elephants (em português, 'Salve os Elefantes'), Fritz Vollrath, e o fundador da organização, Iain Douglas-Hamilton, escutaram uma história folclórica de pastores quenianos, contando como árvores em certas regiões não eram danificadas por elefantes porque tinham colmeias nelas. Inspirados por essa história, Vollrath e Douglas-Hamilton começaram a trabalhar com Lucy King, diretora de coexistência da organização, para investigar cientificamente se as abelhas realmente poderiam assustar esses animais gigantes. Em 2007, a pesquisa concluiu que os elefantes não apenas se mantêm afastados de árvores que têm colmeias de abelhas africanas selvagens, como "emitem sons para avisando uns aos outros para se afastarem", contou King. "Sabemos que as abelhas podem picar e sabemos que eles nunca esquecem disso", acrescenta. King desenhou uma ferramenta para que os agricultores pudessem usar para proteger suas plantações dos elefantes com fome: uma cerca feita com colmeias. A ideia foi testada pela primeira vez em 2008, em uma comunidade de Laikipia, no Quênia, que sofria com invasões regulares de elefantes. As cercas em torno das fazendas são feitas com colmeias, posicionadas, cada uma, entre dois postes e a 10 metros de distância uma da outra. As abelhas africanas, atraídas por elementos naturais como a cera de abelha e óleo de capim-limão, colonizam naturalmente as colmeias. "Para cada 0,4 hectares de terra, são necessárias 24 colmeias", explica King. No entanto, apenas 12 dessas colmeias são verdadeiras. Todas as outras são fictícias. Elas são feitas com pedaços de madeira amarela e uma folha de metal, que geram a ilusão, entre os elefantes, que ali tem mais colmeias do que realmente existe. Isso reduz o custo e dá mais espaço para as abelhas. "À medida que o elefante se aproxima no escuro, ele pode sentir o cheiro das abelhas e do mel. Também pode ver várias caixas amarelas. Sem saber qual é verdadeira e qual é falsa, essa ilusão parece funcionar", diz King. Outros benefícios das abelhas Além de afastar os elefantes das plantações, as cercas feitas com colmeias podem trazer outros benefícios para as comunidades. Por um lado, podem gerar uma renda adicional para os agricultores, por causa da produção de mel. "Se um agricultor tem mel e colheita, isso é suficiente para que a família sobreviva", afima Mwamba, que mora em uma das aldeias onde as cercas de colmeias foram testadas. Atualmente, Mwamba é oficial do projeto de cercas de colmeias para a Save the Elephants, ensinando outros agricultores como construir e manter as cercas. As mulheres, frequentemente, "são afetadas de maneira desproporcional pelo conflito entre os elefantes e as populações", afirma King. Elas são geralmente as responsáveis por trabalhar nas terras e assustar os elefantes, se expondo a ferimentos. Para elas, "ter mais poder nessas situações faz com que elas possam continuar com o trabalho de cuidar da casa, talvez voltar a estudar e garantir que elas tenham tempo para fazer outras coisas", acrescenta. Ao longo dos anos, King e outros pesquisadores coletaram várias provas sobre a eficácia de cercas feitas com colmeias no Quênia. Atualmente, as cercas estão sendo testadas e estudadas em dezenas de países, incluindo Tanzânia, Moçambique e Sri Lanka. A prova da eficácia do método também vem da Tailândia, outro país onde o conflito entre humanos e elefantes é um problema diário. Em 2024, King e seus colegas publicaram um estudo que analisou, em um período de nove anos, a efetividade das cercas de colmeias em pequenas aldeias no sul do Quênia: Mwambiti e Mwakoma, onde vive Emmanuel Mwamba. Essas comunidades dependem muito de plantações como repolho e milho, que atraem elefantes que cruzam o oeste e o leste do Parque Nacional Tsavo, região que abriga cerca de 15 mil elefantes, a maior população desses animais no Quênia. Os pesquisadores trabalharam de forma conjunta com a população local, instalando e coletando dados sobre as cercas com colmeias. Dos quase 4 mil elefantes que se aproximaram das cercas de colmeias, 75% foram espantados pelas cercas, segundo o estudo. Os agricultores também ganharam US$2.250 (cerca de R$ 13.150 na cotação atual) com a venda do mel. "Acho inteligente", disse Shannon, que não participou da pesquisa. "Você tem esse mecanismo natural que consegue impedir esses animais de se aproximarem das plantações. Acho isso simplesmente brilhante". As desvantagens do uso de colmeias O estudo também revelou algumas limitações do uso das abelhas para afastar os elefantes, admite Shannon. Por exemplo, as populações de abelhas podem entrar em colapso nos anos de seca devido à falta de plantas com flores. Em 2018, quando as colmeias estavam se recuperando da seca do ano anterior, um número excepcionalmente grande de elefantes entrou nas aldeias, e as cercas conseguiram afastar 73% deles. "Como qualquer método ou ferramenta, há limitações na sua eficácia". King acrescenta que também se preocupa com o impacto das mudanças climáticas nas cercas com colmeias, "porque se tivermos essas secas imprevisíveis a cada quatro anos, em vez de 15-20 anos, como costumava acontecer, teremos um problema, porque as abelhas não vão conseguir se recuperar a tempo". O excesso de chuva também pode ser um problema para as abelhas, já que pode derrubar flores de árvores e arbustos. Uma solução sugerida pelos pesquisadores é implementar outras ferramentas que possam funcionar junto com as cercas de colmeias, como torres de vigilância. "Sem dúvida, não existe uma única solução", diz King. Embora essas soluções locais possam ser úteis para reduzir o conflito entre as pessoas e os elefantes, elas podem ser colocadas em risco por choques climáticos e geopolíticos. "Precisamos sempre ter uma abordagem multifacetada, que envolta questões de níveis superiores, como, por exemplo, como envolver os governos nessas soluções", afirma. Por enquanto, as cercas de colmeias estão ajudando Mwamba e outras comunidades. "Começamos com duas cercas de colmeias. Agora temos 700 colmeias em três aldeias. É algo positivo para a comunidade neste momento", afirma Mwamba. Atualmente, ele acrescenta, as pessoas acreditam que podem coexistir com os elefantes. Antes de instalar as cercas com colmeias, "os elefantes haviam saqueado a maioria das plantações aqui. Agora, a gente pode viver sem medo", conclui. Clique aqui para ler mais histórias da BBC News Brasil.