Mulher descobre câncer raro após médicos tratarem como sinusite por um ano: ‘Não quiseram pegar o caso’

Luma Gonçalves foi diagnosticada com câncer das glândulas salivares aos 28 anos, depois de os médicos tratarem o quadro por meses como sinusite. Tumor atinge 1% das pessoas, não tem fator de risco nem apresenta sintomas no estágio inicial. A secretária Luma Gonçalves foi diagnosticada com sinusite, mas descobriu que era carcinoma adenóide cístico. Arquivo Pessoal Um diagnóstico errado de sinusite fez com que Luma Gonçalves, de 28 anos, passasse mais de um ano em tratamentos para aliviar sintomas que, na verdade, eram de um câncer raro e agressivo. Luma tem carcinoma adenoide cístico, um tipo de tumor que surge nas glândulas salivares e corresponde a apenas 1% de todos os tipos de neoplasias. Mesmo entre os cânceres de cabeça e pescoço, essa variante é rara, responsável por 3% dos casos. Ao g1, Luma relata a batalha contra a doença, cujos sinais são silenciosos. Quando começam a aparecer, os sintomas indicam que o câncer está avançado. Luma descobriu o carcinoma adenoide cístico já em estágio 4. Uma sinusite intratável Os primeiros sintomas do câncer, conta Luma, apareceram durante uma viagem a Brasília. Ela, que mora no interior de São Paulo, pegou o avião e sentiu uma dor forte nos seios da face e na cabeça, sinais similares aos de sinusite. Ao chegar a Brasília, percebeu que os sintomas se agravaram, o que atribuiu ao tempo seco da cidade. Mas, mesmo depois de voltar para casa, as dores diárias não cessavam. Até que, durante uma aula na faculdade, Luma teve uma dor de cabeça tão forte que desmaiou. Foi quando decidiu procurar um médico. No pronto-socorro de Jacareí, cidade onde mora, ouviu do médico que deveria procurar um otorrinolaringologista. Ele suspeitava que um desvio de septo estaria causando sinusite de repetição. Fez isso, buscou o especialista, que receitou semanas de antibiótico e corticoide, sem qualquer sucesso. ➡️Começou, então, uma jornada repleta de tratamentos ineficazes e diagnósticos equivocados. Durante o período em que tentava se tratar, Luma percebeu uma dor intensa nos dentes –que, segundo a dentista que consultou, não tinha causa aparente. Seus dentes estavam saudáveis, não havia sinal de cáries nem muito menos a necessidade de tratar um canal. Junto ao médico, a dentista cogitou que o acúmulo de secreção devido à “sinusite” pudesse estar pressionando o maxilar e, portanto, infeccionando a raiz dos dentes. Nada parecia fazer sentido. Até que ela percebeu o aparecimento de uma pequena bolha de sangue no céu da boca. “A dentista fez uma raspagem, retirou a bolha, mas não viu necessidade de mandar o material para biópsia”, conta. Dor nos dentes e caroço Depois da bolha, surgiu um caroço dentro da boca. Luma se assustou. “Passei um ano tratando a sinusite sem sentir qualquer melhora. Depois de um ano, decidi, então, ir a uma otorrinolaringologista particular. Ela pediu uma nova tomografia –eu havia feito uma no começo do mesmo ano, que não havia acusado nada. Foi quando o tumor apareceu.” “Quando a médica viu o resultado do exame, a feição dela mudou. Ela disse que havia um cisto no meu seio nasal e que eu teria de operar para que ele parasse de obstruir a passagem da secreção”, diz. Luma conta que a primeira cirurgia, que tinha previsão de terminar em 40 minutos, durou quase quatro horas. Quando acordou, viu o cirurgião com “uma cara horrível”: ele disse que a equipe havia retirado um tumor muito grande – de quase seis centímetros. O cisto foi encaminhado à biópsia, que acusou a neoplasia maligna. “Abri o resultado da biópsia durante uma reunião de trabalho. Fiquei apavorada, entrei em prantos.” Começou, então, uma briga com o plano de saúde para que tudo fosse feito com a maior rapidez possível. “O câncer é uma corrida contra o relógio”, explica ao g1 Carlos Eduardo Santa Ritta, cirurgião de cabeça e pescoço membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. Como Luma havia recebido um diagnóstico tardio, seu tumor já estava em estágio IV, portanto tudo precisaria acontecer às pressas. Médicos retiraram maxilar esquerdo, parte do septo nasal, osso do assoalho da órbita, sete dentes e metade do palato. Arquivo Pessoal Maxilectomia, uma cirurgia agressiva Sem que o plano respeitasse os prazos, ela organizou um financiamento coletivo para conseguir arcar com o tratamento particular. Luma é mãe solo de Luís Miguel, de quatro anos, e não vive perto da família. Quem ajudou a bancar os procedimentos foram os amigos. “Minha médica me indicou um cirurgião oncológico de cabeça e pescoço no Vale do Paraíba, onde moro, mas ele não quis me operar. Ninguém queria mexer nesse câncer e isso me deixava ainda mais aflita.” Ela se mudou provisoriamente para São Paulo para começar o tratamento. Luma teve de passar por uma cirurgia para retirar um segundo tumor. Segundo Santa Ritta, esse tipo de câncer penetra os nervos vizinhos e, pelo caminho deles, vai se espalhando. Portanto, a cirurgia foi agressiva: uma maxilectomia, em que os médicos retiraram todo o maxilar esquerdo de Lum

Jul 5, 2025 - 04:30
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Mulher descobre câncer raro após médicos tratarem como sinusite por um ano: ‘Não quiseram pegar o caso’

Luma Gonçalves foi diagnosticada com câncer das glândulas salivares aos 28 anos, depois de os médicos tratarem o quadro por meses como sinusite. Tumor atinge 1% das pessoas, não tem fator de risco nem apresenta sintomas no estágio inicial. A secretária Luma Gonçalves foi diagnosticada com sinusite, mas descobriu que era carcinoma adenóide cístico. Arquivo Pessoal Um diagnóstico errado de sinusite fez com que Luma Gonçalves, de 28 anos, passasse mais de um ano em tratamentos para aliviar sintomas que, na verdade, eram de um câncer raro e agressivo. Luma tem carcinoma adenoide cístico, um tipo de tumor que surge nas glândulas salivares e corresponde a apenas 1% de todos os tipos de neoplasias. Mesmo entre os cânceres de cabeça e pescoço, essa variante é rara, responsável por 3% dos casos. Ao g1, Luma relata a batalha contra a doença, cujos sinais são silenciosos. Quando começam a aparecer, os sintomas indicam que o câncer está avançado. Luma descobriu o carcinoma adenoide cístico já em estágio 4. Uma sinusite intratável Os primeiros sintomas do câncer, conta Luma, apareceram durante uma viagem a Brasília. Ela, que mora no interior de São Paulo, pegou o avião e sentiu uma dor forte nos seios da face e na cabeça, sinais similares aos de sinusite. Ao chegar a Brasília, percebeu que os sintomas se agravaram, o que atribuiu ao tempo seco da cidade. Mas, mesmo depois de voltar para casa, as dores diárias não cessavam. Até que, durante uma aula na faculdade, Luma teve uma dor de cabeça tão forte que desmaiou. Foi quando decidiu procurar um médico. No pronto-socorro de Jacareí, cidade onde mora, ouviu do médico que deveria procurar um otorrinolaringologista. Ele suspeitava que um desvio de septo estaria causando sinusite de repetição. Fez isso, buscou o especialista, que receitou semanas de antibiótico e corticoide, sem qualquer sucesso. ➡️Começou, então, uma jornada repleta de tratamentos ineficazes e diagnósticos equivocados. Durante o período em que tentava se tratar, Luma percebeu uma dor intensa nos dentes –que, segundo a dentista que consultou, não tinha causa aparente. Seus dentes estavam saudáveis, não havia sinal de cáries nem muito menos a necessidade de tratar um canal. Junto ao médico, a dentista cogitou que o acúmulo de secreção devido à “sinusite” pudesse estar pressionando o maxilar e, portanto, infeccionando a raiz dos dentes. Nada parecia fazer sentido. Até que ela percebeu o aparecimento de uma pequena bolha de sangue no céu da boca. “A dentista fez uma raspagem, retirou a bolha, mas não viu necessidade de mandar o material para biópsia”, conta. Dor nos dentes e caroço Depois da bolha, surgiu um caroço dentro da boca. Luma se assustou. “Passei um ano tratando a sinusite sem sentir qualquer melhora. Depois de um ano, decidi, então, ir a uma otorrinolaringologista particular. Ela pediu uma nova tomografia –eu havia feito uma no começo do mesmo ano, que não havia acusado nada. Foi quando o tumor apareceu.” “Quando a médica viu o resultado do exame, a feição dela mudou. Ela disse que havia um cisto no meu seio nasal e que eu teria de operar para que ele parasse de obstruir a passagem da secreção”, diz. Luma conta que a primeira cirurgia, que tinha previsão de terminar em 40 minutos, durou quase quatro horas. Quando acordou, viu o cirurgião com “uma cara horrível”: ele disse que a equipe havia retirado um tumor muito grande – de quase seis centímetros. O cisto foi encaminhado à biópsia, que acusou a neoplasia maligna. “Abri o resultado da biópsia durante uma reunião de trabalho. Fiquei apavorada, entrei em prantos.” Começou, então, uma briga com o plano de saúde para que tudo fosse feito com a maior rapidez possível. “O câncer é uma corrida contra o relógio”, explica ao g1 Carlos Eduardo Santa Ritta, cirurgião de cabeça e pescoço membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. Como Luma havia recebido um diagnóstico tardio, seu tumor já estava em estágio IV, portanto tudo precisaria acontecer às pressas. Médicos retiraram maxilar esquerdo, parte do septo nasal, osso do assoalho da órbita, sete dentes e metade do palato. Arquivo Pessoal Maxilectomia, uma cirurgia agressiva Sem que o plano respeitasse os prazos, ela organizou um financiamento coletivo para conseguir arcar com o tratamento particular. Luma é mãe solo de Luís Miguel, de quatro anos, e não vive perto da família. Quem ajudou a bancar os procedimentos foram os amigos. “Minha médica me indicou um cirurgião oncológico de cabeça e pescoço no Vale do Paraíba, onde moro, mas ele não quis me operar. Ninguém queria mexer nesse câncer e isso me deixava ainda mais aflita.” Ela se mudou provisoriamente para São Paulo para começar o tratamento. Luma teve de passar por uma cirurgia para retirar um segundo tumor. Segundo Santa Ritta, esse tipo de câncer penetra os nervos vizinhos e, pelo caminho deles, vai se espalhando. Portanto, a cirurgia foi agressiva: uma maxilectomia, em que os médicos retiraram todo o maxilar esquerdo de Luma, parte do septo nasal, o osso do assoalho da órbita, sete dentes e metade do palato (céu da boca). Ela só consegue falar e engolir, hoje, porque conseguiu uma prótese que foi inserida em sua boca já durante a cirurgia. A prótese foi doada pelo Instituto Mais Identidade, em São Paulo, uma ONG focada em pacientes em reabilitação orofacial. A equipe do instituto acompanhou a cirurgia. Luma foi operada na Santa Casa da Misericórdia de São Paulo, pelo Sistema Único de Saúde. A cirurgia durou 14 horas. A recuperação, delicada, envolveu dias se alimentando por sonda. Embora os tumores tenham sido retirados, as margens de cirurgia foram comprometidas –ou seja, os médicos não conseguiram arrancar o tumor preservando um espaço seguro de distância entre o tecido e o câncer. “Portanto, não é possível garantir que nenhuma célula maligna tenha sobrado. É preciso complementar o tratamento por garantia. Mais ainda porque este tipo de câncer tem alto índice de recidiva –60%-- e esse índice não cai após os cinco anos. Ele pode voltar mesmo após dezenas de anos da cura”, afirma o oncologista. Luma voltou para Jacareí. Agora, ela começou as 30 sessões de radioterapia, uma por dia, prescritas pelo médico que a acompanha. Além delas, tem sido submetida a uma sessão de quimioterapia por semana. Radio-oncologista da diretoria da Sociedade Brasileira de Radioterapia, Diego Chaves explica que, embora a quimioterapia não tenha eficácia no tratamento desse tipo de câncer, ela enfraquece as células de todo o corpo, o que pode potencializar a radioterapia. “A radioterapia queima as células cancerígenas do local onde o tumor está ou esteve alocado. Com o enfraquecimento dessas células por causa da quimioterapia, elas tendem a morrer mais rapidamente quando submetidas à radiação”, explica. Além disso, o médico detalha que a quimioterapia associada à rádio, nesse caso, pode prolongar o tempo de remissão da doença. É o que Luma busca. “Quero estar livre do câncer pelo maior tempo que consegui. O mais difícil de todo esse processo é pensar que meu filho, que foi planejado e tão desejado, pode crescer sem a mãe. Olho para ele e penso que posso não estar aqui para acompanhar seu futuro", diz. "A sensação é de medo, mas não só: sinto uma tristeza que não sai de mim. A maternidade é minha maior força e, ao mesmo tempo, minha maior fraqueza. Ele sabe que estou doente –não entende a dimensão, mas sabe que existe uma doença, ele vê– e isso me mata.” É possível prevenir? Ambos os médicos ouvidos pela reportagem explicam que é praticamente impossível rastrear o carcinoma adenoide cístico. “Não é uma doença com tipo de rastreamento. Quando os sintomas começam, o tumor já está desenvolvido há um tempo. Ele cresce lentamente, e não há qualquer fator conhecido que seja gatilho para o aparecimento dele”, explica o cirurgião oncológico Santa Ritta. Luma não tinha registro de casos de câncer na família. Não fumava nem bebia. “Há muitos cânceres que são estimulados por uma predisposição genética familiar. Não é o caso desse. Não se sabe o que faz com que ele cresça”, afirma. Segundo o médico, em Luma, o tumor se desenvolveu nas pequenas glândulas salivares do seio paranasal – e se alocou em um osso oco que fica abaixo dos olhos e ao lado do nariz, cujo revestimento é todo de mucosa. O carcinoma adenoide cístico, além de raro, tem um índice alto de metástase em pulmões: em 50% dos casos, as células cancerosas se desenvolvem nos alvéolos. Prevenção a tumores de cabeça e pescoço Julho é o mês de conscientização sobre os cânceres de cabeça e pescoço. Apesar de não haver associação entre o desenvolvimento do carcinoma adenoide cístico e hábitos cotidianos, os médicos explicam que outros tumores de cabeça e pescoço – mais comuns do que o tratado por Luma e que podem atingir boca, língua, orofaringe e laringe– podem, sim, ser evitados, na maioria dos casos. Segundo os médicos, o tabagismo aumenta em quatro vezes a chance de desenvolver esses tipos de tumor. Além do cigarro, o consumo abusivo de álcool também está entre os principais fatores de risco. Próteses dentárias desajustadas ou dentes em más condições também merecem atenção. O uso contínuo de dentaduras que ferem a mucosa oral pode causar traumas crônicos, fator associado ao desenvolvimento de câncer de boca. Outro vilão é o vírus HPV, sexualmente transmissível e associado ao câncer de orofaringe. A boa notícia é que, para HPV, há vacina disponível — gratuita na rede pública para meninos e meninas de 9 a 14 anos. Adultos também podem ser imunizados na rede privada. Sinais de alerta O diagnóstico precoce de cânceres de cabeça e pescoço é crucial para o sucesso do tratamento. Por isso, é essencial prestar atenção aos sintomas iniciais. Feridas na boca que não cicatrizam em até três semanas. Qualquer lesão persistente deve ser avaliada por um dentista ou médico, que devem estar atentos à possibilidade de câncer. Manchas esbranquiçadas na cavidade oral. Lesões que não desaparecem com escovação também são sinais de alerta e merecem investigação. Rouquidão persistente. Se não estiver relacionada a gripe e durar mais do que o normal, a rouquidão pode indicar alterações nas cordas vocais. Um exame de imagem pode ser necessário para avaliar. Sinusites que não melhoram. Infecções dos seios da face que se arrastam por semanas podem esconder tumores nas regiões paranasais. A tomografia ajuda no diagnóstico, mas tumores muito pequenos podem passar despercebidos por estarem entre os “cortes” das imagens. Segundo especialistas, os seios paranasais são uma das regiões mais difíceis para o diagnóstico precoce, por estarem localizados em cavidades ósseas e por não apresentarem sintomas claros nos estágios iniciais. Por que os casos de câncer estão aumentando entre os mais jovens?