Fantástico mostra laudo da PF sobre a queda da ponte Juscelino Kubitschek, entre Maranhão e Tocantins

Mais de sete meses depois da tragédia que matou 14 pessoas e deixou outras três desaparecidas, a Polícia Federal concluiu a perícia sobre a queda da ponte Juscelino Kubitschek, que ligava os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO). O Fantástico teve acesso exclusivo ao laudo final, que revela em detalhes como e por que a estrutura desabou. A ponte fazia parte da BR-010, a Belém-Brasília, uma das rodovias mais importantes do país. Era um elo fundamental entre o Norte e o Centro-Sul do Brasil, conectando também à Transamazônica. No dia 22 de dezembro de 2024, próximo da véspera do Natal, dezenas de veículos cruzavam a ponte quando ela cedeu. Dezoito pessoas caíram no rio Tocantins. Apenas uma sobreviveu. A perícia da Polícia Federal durou mais de sete meses. Os peritos usaram drones, scanners a laser e modelagem 3D para reconstruir a cena do colapso. O laudo aponta que a queda foi provocada pela deformação do vão central, causada pelo excesso de peso dos veículos. “No momento em que esse vão central foi cedendo, isso causou um esforço lateral na ponte, que causou aquela rachadura que a gente vê na filmagem”, explicou o perito Bruno Salgado. Segundo ele, o processo de colapso durou entre 15 e 30 segundos. O vão central caiu em menos de um segundo. A ponte foi construída na década de 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, com um vão livre de 140 metros — um feito de engenharia para a época. A estrutura foi erguida sobre um trecho profundo do rio Tocantins, onde não era possível instalar pilares. Para vencer esse desafio, foi usado concreto protendido, uma tecnologia inovadora no Brasil naquele período. “Ela acabou sendo um recorde mundial naquele ano”, disse Salgado. Com o passar das décadas, a ponte não acompanhou o crescimento da frota de veículos nem o aumento da carga transportada. Além disso, os materiais foram perdendo resistência com o tempo. A última grande reforma da ponte ocorreu entre 1998 e 2000. Os peritos identificaram que, nessa intervenção, foi retirada a camada original de concreto e aplicada uma nova camada de asfalto, sem que se saiba o motivo. Essa alteração pode ter comprometido a estrutura. Um reforço lateral instalado na época também se desprendeu com o colapso. “Foi arrancado do concreto como se fosse fita crepe”, descreveu o perito Laércio de Oliveira Silva Filho. Em 2019, o DNIT encomendou um relatório técnico, publicado em 2020, que já apontava problemas graves: vibrações excessivas e um rebaixamento de 70 centímetros no vão central. O documento classificava as condições da ponte como “sofríveis e precárias” e recomendava reformas. Uma tentativa de licitação foi feita em 2024, mas não teve vencedor. A ponte caiu antes que uma nova licitação fosse concluída. Com o laudo em mãos, a Polícia Federal agora vai ouvir os responsáveis pelo planejamento de recuperação da ponte. “Queremos entender por que o reparo não foi feito e por que o fluxo na ponte não foi interrompido”, afirmou o delegado Allan Reis de Almeida. Para ele, não há dúvidas de que houve crime. “Houve uma omissão por parte de agentes públicos quanto à manutenção da obra. Não posso falar que esse desastre foi um caso fortuito. Ele foi anunciado, era de conhecimento, e era plausível que poderia acontecer.” O DNIT, responsável pela manutenção da ponte, informou que os trabalhos da comissão técnica que apura os fatos foram finalizados e estão na corregedoria do departamento. O Ministério dos Transportes disse que o superintendente regional do DNIT no Tocantins, Renan Bezerra de Melo Pereira, foi exonerado em abril. Em nota, Renan Bezerra afirmou que exerceu o cargo com zelo e responsabilidade por apenas um ano e cinco meses, que aguarda as perícias e que não é culpado pela tragédia. Entre as vítimas da queda da ponte está a família de Alessandra, Salmon e o neto Felipe, de 10 anos. Eles viajavam de Palmas para o Maranhão e se despediram dos parentes um dia antes do acidente. “Eles estavam muito felizes com essa viagem”, contou Maristelia Alves, parente das vítimas. A caminhonete da família aparece em um vídeo entrando na ponte, atrás de um caminhão. O corpo de Alessandra foi encontrado. Salmon e Felipe continuam desaparecidos. “É muito sofrimento para a nossa família”, disse Maristelia. “A gente sabe que podia ter cuidado mais da ponte, mas não cuidou.” Em fevereiro, o que restou da ponte foi implodido. No mesmo local, uma nova estrutura está sendo construída. A nova ponte terá 630 metros de extensão — 100 a mais que a anterior — e um vão central de 154 metros, sustentado por dois pilares com altura equivalente a um prédio de sete andares. A obra, orçada em R$ 171 milhões, deve ser concluída em dezembro. Enquanto isso, balsas fazem a travessia entre os estados. A espera pode durar horas. “Aqui já tem um pouco mais de duas horas esperando”, disse o gesseiro Luiz Oliveira. “Às vezes, eu chego aqui meio-dia e consigo passar 10 horas da noite”, relatou o caminhoneiro Júlio César. Para o diretor técnico-ci

Jul 27, 2025 - 21:30
 0  0
Fantástico mostra laudo da PF sobre a queda da ponte Juscelino Kubitschek, entre Maranhão e Tocantins
Mais de sete meses depois da tragédia que matou 14 pessoas e deixou outras três desaparecidas, a Polícia Federal concluiu a perícia sobre a queda da ponte Juscelino Kubitschek, que ligava os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO). O Fantástico teve acesso exclusivo ao laudo final, que revela em detalhes como e por que a estrutura desabou. A ponte fazia parte da BR-010, a Belém-Brasília, uma das rodovias mais importantes do país. Era um elo fundamental entre o Norte e o Centro-Sul do Brasil, conectando também à Transamazônica. No dia 22 de dezembro de 2024, próximo da véspera do Natal, dezenas de veículos cruzavam a ponte quando ela cedeu. Dezoito pessoas caíram no rio Tocantins. Apenas uma sobreviveu. A perícia da Polícia Federal durou mais de sete meses. Os peritos usaram drones, scanners a laser e modelagem 3D para reconstruir a cena do colapso. O laudo aponta que a queda foi provocada pela deformação do vão central, causada pelo excesso de peso dos veículos. “No momento em que esse vão central foi cedendo, isso causou um esforço lateral na ponte, que causou aquela rachadura que a gente vê na filmagem”, explicou o perito Bruno Salgado. Segundo ele, o processo de colapso durou entre 15 e 30 segundos. O vão central caiu em menos de um segundo. A ponte foi construída na década de 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, com um vão livre de 140 metros — um feito de engenharia para a época. A estrutura foi erguida sobre um trecho profundo do rio Tocantins, onde não era possível instalar pilares. Para vencer esse desafio, foi usado concreto protendido, uma tecnologia inovadora no Brasil naquele período. “Ela acabou sendo um recorde mundial naquele ano”, disse Salgado. Com o passar das décadas, a ponte não acompanhou o crescimento da frota de veículos nem o aumento da carga transportada. Além disso, os materiais foram perdendo resistência com o tempo. A última grande reforma da ponte ocorreu entre 1998 e 2000. Os peritos identificaram que, nessa intervenção, foi retirada a camada original de concreto e aplicada uma nova camada de asfalto, sem que se saiba o motivo. Essa alteração pode ter comprometido a estrutura. Um reforço lateral instalado na época também se desprendeu com o colapso. “Foi arrancado do concreto como se fosse fita crepe”, descreveu o perito Laércio de Oliveira Silva Filho. Em 2019, o DNIT encomendou um relatório técnico, publicado em 2020, que já apontava problemas graves: vibrações excessivas e um rebaixamento de 70 centímetros no vão central. O documento classificava as condições da ponte como “sofríveis e precárias” e recomendava reformas. Uma tentativa de licitação foi feita em 2024, mas não teve vencedor. A ponte caiu antes que uma nova licitação fosse concluída. Com o laudo em mãos, a Polícia Federal agora vai ouvir os responsáveis pelo planejamento de recuperação da ponte. “Queremos entender por que o reparo não foi feito e por que o fluxo na ponte não foi interrompido”, afirmou o delegado Allan Reis de Almeida. Para ele, não há dúvidas de que houve crime. “Houve uma omissão por parte de agentes públicos quanto à manutenção da obra. Não posso falar que esse desastre foi um caso fortuito. Ele foi anunciado, era de conhecimento, e era plausível que poderia acontecer.” O DNIT, responsável pela manutenção da ponte, informou que os trabalhos da comissão técnica que apura os fatos foram finalizados e estão na corregedoria do departamento. O Ministério dos Transportes disse que o superintendente regional do DNIT no Tocantins, Renan Bezerra de Melo Pereira, foi exonerado em abril. Em nota, Renan Bezerra afirmou que exerceu o cargo com zelo e responsabilidade por apenas um ano e cinco meses, que aguarda as perícias e que não é culpado pela tragédia. Entre as vítimas da queda da ponte está a família de Alessandra, Salmon e o neto Felipe, de 10 anos. Eles viajavam de Palmas para o Maranhão e se despediram dos parentes um dia antes do acidente. “Eles estavam muito felizes com essa viagem”, contou Maristelia Alves, parente das vítimas. A caminhonete da família aparece em um vídeo entrando na ponte, atrás de um caminhão. O corpo de Alessandra foi encontrado. Salmon e Felipe continuam desaparecidos. “É muito sofrimento para a nossa família”, disse Maristelia. “A gente sabe que podia ter cuidado mais da ponte, mas não cuidou.” Em fevereiro, o que restou da ponte foi implodido. No mesmo local, uma nova estrutura está sendo construída. A nova ponte terá 630 metros de extensão — 100 a mais que a anterior — e um vão central de 154 metros, sustentado por dois pilares com altura equivalente a um prédio de sete andares. A obra, orçada em R$ 171 milhões, deve ser concluída em dezembro. Enquanto isso, balsas fazem a travessia entre os estados. A espera pode durar horas. “Aqui já tem um pouco mais de duas horas esperando”, disse o gesseiro Luiz Oliveira. “Às vezes, eu chego aqui meio-dia e consigo passar 10 horas da noite”, relatou o caminhoneiro Júlio César. Para o diretor técnico-científico da Polícia Federal, Roberto Reis, o caso é um alerta. “Esse é um caso que mostra a importância da prevenção. Se eu tenho uma manutenção adequada, no tempo adequado, e reavaliações periódicas da carga suportada pelas pontes, talvez a gente consiga evitar que isso aconteça novamente.” Ouça os podcasts do Fantástico O podcast Isso É Fantástico está disponível no g1 e nos principais aplicativos de podcasts, trazendo grandes reportagens, investigações e histórias fascinantes em podcast com o selo de jornalismo do Fantástico: profundidade, contexto e informação. Siga, curta ou assine o Isso É Fantástico no seu tocador de podcasts favorito. Todo domingo tem um episódio novo. PRAZER, RENATA O podcast 'Prazer, Renata' está disponível no g1 e nos principais aplicativos de podcasts. Siga, assine e curta o 'Prazer, Renata' na sua plataforma preferida.