O que a morte da menina de 11 anos agredida em escola em PE revela sobre a violência nas escolas do Brasil
Pais pedem justiça por morte de menina espancada em escola no Sertão de PE Pelo menos 39 pessoas morreram em ataques de violências extremas em escolas do Brasil entre 2001 e 2025. O caso fatal mais recente é o de Alícia Valentina, de 11 anos, que morreu após ser espancada por cinco colegas em uma escola pública de Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco. De acordo com o boletim de ocorrência, a agressão aconteceu após Alícia se recusar a “ficar” (ter envolvimento romântico) com um dos agressores. O caso choca porque possui características que diferem da maioria das ocorrências de violências registradas no ambiente escolar (entenda mais abaixo). Alícia Valentina morreu após ser espancada por colegas na escola, em Belém do São Francisco Reprodução/Redes sociais Apesar disso, dados indicam que as características de ataques violentos extremos em escolas têm tido motivações e modos de ação cada vez mais variados, e estão se tornando mais recorrentes. Um levantamento da Fapesp que analisou dados nacionais revelou que o número de casos de violência no ambiente escolar mais do que triplicou em 10 anos, atingindo o ápice em 2023. Uma pesquisa chamada "A convivência nas escolas: desafios e possibilidades" revelou que os problemas de convivência na escola continuam aumentando, com uma maior ocorrência de violências na escola, de agressões on-line e de sofrimento mental em estudantes. A pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos” detalha dados dos episódios violentos mais graves ocorridos entre até 2024. Segundo especialistas, o caso serve de alerta e reforça que é preciso estabelecer uma política nacional de prevenção à violência escolar (entenda mais abaixo). Características das violências escolares Entre 2001 e 2024, foram identificados 42 episódios de ataques violentos extremos em escolas brasileiras. Destes, 33 foram ativos (com intenção de matar indiscriminadamente o maior número possível de pessoas no local), e 9 foram direcionados (ou seletivos, nos quais o agressor tem como alvo uma pessoa ou um grupo específico de indivíduos). Ao todo, 43 escolas foram alvos das ações violentas, tendo sido 23 escolas estaduais, 13 municipais e 7 particulares. Entre essas, duas estaduais e uma municipal eram militarizadas e em cada uma delas houve a morte de uma pessoa. De acordo com pesquisas, eventos violentos podem ocorrer em qualquer tipo de instituição de ensino. A maioria dos ataques é feito por agressores do sexo masculino. Dos 45 envolvidos nos 42 ataques extremos, apenas uma era mulher. Outro aspecto observado é a intenção prévia de cometer um ataque. Nestes casos, em geral, os agressores se preparam e se armam. A arma de fogo é o tipo de armamento mais utilizado em ataques, mas em mais da metade dos ataques, os agressores utilizaram facas, machadinhas e até coquetel Molotov. Ataques de violência extrema em escolas no Brasil. Arte: Thalita Ferraz/g1 Violências escolares Telma Vinha, que é coordenadora adjunta do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp e pesquisadora de violências no ambiente escolar, explica que o conceito de violência escolar é plural, e envolve: invasão e ataques em escola; violência institucional (situações de racismo recreativo, homofobia ou bullying, regras absurdas ou injustas, punições arbitrárias); bullying (violência repetida entre colegas); violências duras (estabelecidas em código penal); violência estrutural (racismo, misoginia e comportamentos que reforçam as desigualdades da sociedade no ambiente escolar); cyberagressão. Além disso, ela diz que os perfis das vítimas também são diversos, e perpassam alunos, professores, demais funcionários das escolas e outros membros da comunidade escolar. Só em 2023, metade dos casos registrados em escolas foi de agressão física, seguido por violência psicológica/moral (23,8%) e violência sexual (23,1%). Há ainda os casos mais extremos de violências nas escolas. Na pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos”, os ataques deste tipo são definidos como: “Um fenômeno que difere de outros tipos de violência. Cometidos de forma deliberada por estudantes e ex-estudantes das instituições de ensino de educação básica com o objetivo de causar a morte de uma ou mais pessoas, estes atos envolvem o planejamento e o uso de determinado(s) tipo(s) de arma(s). São motivados por ressentimentos, preconceitos, discriminação, racismo, misoginia, intolerância, entre outros, e caracterizados como crimes de ódio e/ou movidos por vingança.” Além de compartilhar o aspecto de problemas de convivência como em outros tipos de violências escolares, no caso extremo, especialistas reforçam a importância de considerar também elementos sociais, familiares, culturais e escolares vivenciados pelos agressores. Motivo dos aumentos dos casos No estudo que avalia o aumento dos casos de violência no ambiente escolar entre 2013 e 2023, a Fapesp conclui que alguns fatores explicam este


Pais pedem justiça por morte de menina espancada em escola no Sertão de PE Pelo menos 39 pessoas morreram em ataques de violências extremas em escolas do Brasil entre 2001 e 2025. O caso fatal mais recente é o de Alícia Valentina, de 11 anos, que morreu após ser espancada por cinco colegas em uma escola pública de Belém do São Francisco, no Sertão de Pernambuco. De acordo com o boletim de ocorrência, a agressão aconteceu após Alícia se recusar a “ficar” (ter envolvimento romântico) com um dos agressores. O caso choca porque possui características que diferem da maioria das ocorrências de violências registradas no ambiente escolar (entenda mais abaixo). Alícia Valentina morreu após ser espancada por colegas na escola, em Belém do São Francisco Reprodução/Redes sociais Apesar disso, dados indicam que as características de ataques violentos extremos em escolas têm tido motivações e modos de ação cada vez mais variados, e estão se tornando mais recorrentes. Um levantamento da Fapesp que analisou dados nacionais revelou que o número de casos de violência no ambiente escolar mais do que triplicou em 10 anos, atingindo o ápice em 2023. Uma pesquisa chamada "A convivência nas escolas: desafios e possibilidades" revelou que os problemas de convivência na escola continuam aumentando, com uma maior ocorrência de violências na escola, de agressões on-line e de sofrimento mental em estudantes. A pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos” detalha dados dos episódios violentos mais graves ocorridos entre até 2024. Segundo especialistas, o caso serve de alerta e reforça que é preciso estabelecer uma política nacional de prevenção à violência escolar (entenda mais abaixo). Características das violências escolares Entre 2001 e 2024, foram identificados 42 episódios de ataques violentos extremos em escolas brasileiras. Destes, 33 foram ativos (com intenção de matar indiscriminadamente o maior número possível de pessoas no local), e 9 foram direcionados (ou seletivos, nos quais o agressor tem como alvo uma pessoa ou um grupo específico de indivíduos). Ao todo, 43 escolas foram alvos das ações violentas, tendo sido 23 escolas estaduais, 13 municipais e 7 particulares. Entre essas, duas estaduais e uma municipal eram militarizadas e em cada uma delas houve a morte de uma pessoa. De acordo com pesquisas, eventos violentos podem ocorrer em qualquer tipo de instituição de ensino. A maioria dos ataques é feito por agressores do sexo masculino. Dos 45 envolvidos nos 42 ataques extremos, apenas uma era mulher. Outro aspecto observado é a intenção prévia de cometer um ataque. Nestes casos, em geral, os agressores se preparam e se armam. A arma de fogo é o tipo de armamento mais utilizado em ataques, mas em mais da metade dos ataques, os agressores utilizaram facas, machadinhas e até coquetel Molotov. Ataques de violência extrema em escolas no Brasil. Arte: Thalita Ferraz/g1 Violências escolares Telma Vinha, que é coordenadora adjunta do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp e pesquisadora de violências no ambiente escolar, explica que o conceito de violência escolar é plural, e envolve: invasão e ataques em escola; violência institucional (situações de racismo recreativo, homofobia ou bullying, regras absurdas ou injustas, punições arbitrárias); bullying (violência repetida entre colegas); violências duras (estabelecidas em código penal); violência estrutural (racismo, misoginia e comportamentos que reforçam as desigualdades da sociedade no ambiente escolar); cyberagressão. Além disso, ela diz que os perfis das vítimas também são diversos, e perpassam alunos, professores, demais funcionários das escolas e outros membros da comunidade escolar. Só em 2023, metade dos casos registrados em escolas foi de agressão física, seguido por violência psicológica/moral (23,8%) e violência sexual (23,1%). Há ainda os casos mais extremos de violências nas escolas. Na pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos”, os ataques deste tipo são definidos como: “Um fenômeno que difere de outros tipos de violência. Cometidos de forma deliberada por estudantes e ex-estudantes das instituições de ensino de educação básica com o objetivo de causar a morte de uma ou mais pessoas, estes atos envolvem o planejamento e o uso de determinado(s) tipo(s) de arma(s). São motivados por ressentimentos, preconceitos, discriminação, racismo, misoginia, intolerância, entre outros, e caracterizados como crimes de ódio e/ou movidos por vingança.” Além de compartilhar o aspecto de problemas de convivência como em outros tipos de violências escolares, no caso extremo, especialistas reforçam a importância de considerar também elementos sociais, familiares, culturais e escolares vivenciados pelos agressores. Motivo dos aumentos dos casos No estudo que avalia o aumento dos casos de violência no ambiente escolar entre 2013 e 2023, a Fapesp conclui que alguns fatores explicam este fenômeno: desvalorização dos professores no imaginário coletivo; relativização de discursos de ódio, como se fossem menos prejudiciais do que realmente são; precarização da infraestrutura das escolas; agressões sofridas ou vistas pelos alunos no ambiente doméstico; falhas nas ações de mediação de conflito; despreparo das secretarias estaduais de educação para lidar com casos de misoginia e racismo. Polícia, catraca, botão do pânico e mais: veja análise de 7 medidas em debate contra ataques em escolas Luciene Tognetta, professora do Departamento de Psicologia da Educação da FCL Unesp e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM - Unesp/Unicamp), também acredita que as pressões constantes por performances sociais às quais os jovens estão expostos também desempenham um papel importante na atribuição de papéis em ambientes de convivência, como a escola. Segundo ela, as gerações mais novas tendem a levar ao extremo ideias de masculinidade (ou hipermasculinidade) e até de dominância, de inferiorização de objetificação de minorias, que demandam performances sociais que, desacompanhadas de orientações e direcionamento moral, distorcem e reforçam comportamentos muitas vezes agressivos. Combate melhora, mas é preciso prevenir Creche onde ocorreu ataque em creche de Blumenau Luíza Morfim/Divulgação Para Luciene Tognetta, o Governo Federal tem trabalhado com algumas medidas de combate às violências no ambiente escolar, especialmente após casos de grande repercussão ocorridos em 2023. Na ocasião, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, apresentou medidas para reforçar a segurança nas escolas e reforçou a importância de discutir a responsabilidade de plataformas sociais na disseminação e estímulo de comportamentos violentos. O ministro da Educação, Camilo Santana, também propôs discussões para implementar apoio prestado por psicólogos e assistentes sociais às redes de ensino. No ano seguinte, em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), o MEC lançou o Observatório de Violências nas Escolas. O presidente Lula (PT) também liberou R$ 150 milhões em verbas para o combate à violência nas escolas, como para reforçar o patrulhamento em escolas e creches. No entanto, ela defende que é preciso prevenir essas ações, e não apenas combatê-las. Os materiais de resposta e intervenção aos ataques são importantes, mas é preciso que haja ações propositivas e não apenas refratárias. É preciso que estejamos à frente, adiantando ocorrências, prevenindo que elas aconteçam. Para isso, ela acredita que as ações devem vir desde o início da formação dos professores, passando ainda por uma formação específica de funcionários e gestores para identificação e intervenção em situações de conflitos que podem fomentar comportamentos violentos. "Uma formação continuada para o professor não adianta, porque não se pode continuar uma formação que nunca começou. Os professores e demais funcionários das escolas não são preparados para identificar e atuar em situações como essa", diz a especialista. Além disso, ela explica que também deve haver uma discussão aberta com os alunos, já que, em maioria, eles são as vítimas, os agressores e as testemunhas em situações de problemas de convivência. "Não adianta excluir os maiores interessados eos principais envolvidos de uma discussão tão importante. É preciso restabelecer relações de confiança entre os funcionários e os alunos e, por que não, estimular a interferência por parte dos pares. Montar uma frente ampla e preparada para exterminar o problema." LEIA TAMBÉM 51% dos brasileiros que entram na faculdade não se formam nem 3 anos após o prazo previsto